sexta-feira, 1 de março de 2013

Texto de Alípio de Freitas


O povo é quem mais ordena

Tenho estado muito atento a tudo o que se tem dito e escrito sobre a manifestação popular do dia 2 de Março, contra a TROIKA, e ainda aos comportamentos dos políticos e seus próximos frente ao seu «enfrentamento» com a canção de Zeca Afonso Grândola, Vila Morena. Nada que me tenha surpreendido, uma vez que a maioria, repito, a maioria dos políticos da nossa praça e também a sua corte de seguidores já fizeram várias, muitas revisões do 25 de Abril. A situação é tão caricata, que hoje todo e qualquer bicho careto se diz herdeiro do 25 de Abril. A direita, a esquerda, o centro, os «jotas», os boys, os revisionistas, os «entreguistas», os traficantes de todas as coisas e influências e sei lá que mais, todos se apresentam como defensores do 25 de Abril, sobretudo dessa democracia que aí está e que outra coisa não é mais que uma «bastardia» do 25 de Abril. O povo tem de sair de novo à rua. Não nos serve uma democracia que ande de braço dado com banqueiros corruptos e ladrões, não nos convém uma democracia que, com políticos a soldo e de saldo, usurpe os direitos do povo e destrua toda a sua esperança. Não nos convém uma democracia que se propõe matar de fome, desprezar e abandonar os seus velhos e convida os jovens a emigrar, para que as poupanças do seu trabalho, em terra estranha, sustentem os que cá ficaram por já não poderem emigrar. Não nos convém uma democracia onde a justiça e a iniquidade se confundem, onde a prepotência substitui a lei, onde se penaliza quem trabalha, quem é pobre, quem é jovem, quem é doente ou quem é velho. Não queremos uma democracia guardada, protegida e sustentada por mercenários. Queremos que as forças de segurança sejam constituídas por pessoas livres, cidadãos exemplares que defendam o povo e os seus legítimos interesses. As forças de segurança terão sempre de ter presente nas suas mentes que são constituídas por filhos e filhas do povo, que quem lhes paga e garante a sua existência e eficácia é o povo trabalhador e não os banqueiros, a TROIKA ou aqueles que em nome da paz e da segurança destroem países e governos, rapinam recursos e humilham, com os tacões dos seus mercenários, quem se atreva a contrariá-los. Queremos forças de segurança que no dia do seu juramento se comprometam apenas e tão somente a servir com lealdade o seu povo.
Sou abertamente favorável a todas as manifestações em que o povo expresse a sua vontade. Ninguém, quer se trate de organizações ou pessoas, expressa hoje em Portugal a vontade do povo. Nem os partidos políticos, qualquer deles, nem a Igreja, nem um cidadão ou um grupo de cidadãos organizados se pode armar em representante ou porta-voz do povo. Mas é bom que se comece a pensar nisso. Sempre haverá cidadãos descomprometidos com o pântano em que se transformou a vida política portuguesa, sempre haverá alguns cidadãos cujo presente e passado os credibiliza para a urgente tarefa de tirar este país da servidão. E não me venham os «democratas bunda suja» que por aí se acotovelam dizer que o meu apelo à organização e acção do povo, tendo à frente quem o ajude na tarefa de construir outro país, tem cheiro de totalitarismo ou coisas que tais. Disso e de falsas democracias como esta em que vivemos e que não passa de um pântano fétido, disso entendo eu, que durante uma boa parte da minha vida estive exilado, vivi na clandestinidade, fui combatente revolucionário, sobrevivi à tortura e somente ao fim de dez anos de vários presídios fui posto em liberdade. É esta memória de mais de sessenta anos que se cravou em mim como uma cicatriz profunda, que me ensinou a «livre pensar», estar atento ao que se passa no mundo e sempre presente em todas as manifestações, apesar da minha cegueira quase total. Portugal não precisa de mudanças mais ou menos coloridas como aquelas de que os papagaios da Assembleia da República tanto palreiam. Não. Portugal precisa urgentemente de resgatar as promessas de Abril que, mal despontaram, logo começaram a ser roubadas pelos ladrões do costume. O 25 de Novembro foi o acto final de uma revolução que não houve e o primeiro da tragédia em que hoje estamos mergulhados. Porquê? Porque o Presidente da República e o primeiro-ministro saíram como exilados de luxo para o Brasil, os ministros desapareceram do país sem que ninguém os incomodasse e foram viver de rendimentos no estrangeiro, os membros da PIDE foram soltos sem julgamento e mais tarde alguns deles foram condecorados por serviços prestados à nação, os banqueiros, capitães de indústria e latifundiários acoitaram-se em países vizinhos e no Brasil, para depois regressarem e serem indemnizados por perdas que nem haviam tido, no Ministério de Negócios Estrangeiros, que durante a ditadura serviu como agente da propaganda fascista nas colónias de imigrantes portugueses, não houve um único saneamento, os juízes e os tribunais plenários, que agiram como juízes torcionários do poder fascista, passaram directamente desses tribunais para os tribunais comuns em todos os níveis. Ninguém foi responsabilizado ou condenado por qualquer crime cometido contra o povo. Seria um rosário imenso enumerar tudo aquilo que a Revolução de Abril não fez, vá-se lá saber porque razões, mas serviu para organizar a contra-revolução.
Provavelmente a maioria daqueles que organizam todas estas lutas que se vêem por todo o país e que escolheram Grândola, Vila Morena como seu grito de guerra nem sequer eram nascidos no 25 de Abril. Pouco importa. Eles ouviram o apelo da história e do povo. E ainda bem, porque se eles não tivessem ouvido esse apelo, Portugal e os portugueses possivelmente passariam à história das coisas não acontecidas, que uma bruxa má chamada TROIKA teria feito desaparecer num golpe de mágica.
Vamos lixar a TROIKA!!!